No sentido mais fundamental, podemos dizer que a arquitetura nasce – em sua forma mais elementar – da inerente busca humana por abrigo. A cabana como abrigo construído pelo homem, em sua forma mais primitiva, já existia há muito tempo quando Marc-Antonie Laugier à descreveu em 1755. Laugier teorizou uma alegoria de um homem na natureza e sua necessidade de abrigo, um requisito básico para proteger-se do sol e da chuva. Os troncos de madeira, verticalmente dispostos no terreno, aludem ao papel desempenhado pelas colunas, enquanto os elementos horizontais colocados sobre elas nos fazem pensar na função de uma viga, os galhos, por sua vez, cumprem a função de cobertura inclinada de uma típica “cabana” moderna. Embora o homem tenha vagado pela superfície da Terra por milhares e milhares de anos, por que apenas em meados do século XVIII fomos capazes de teorizar a respeito da gênese da mais elementar das criações humanas?
A arquitetura, como a conhecemos hoje, afastou-se decisivamente de sua raison d'être para transformar-se em uma forma de representação dos valores culturais específicos de seu tempo e lugar. A maneira como concebemos e percebemos a arquitetura evoluiu ao longo dos séculos como um reflexo direto das transformações inerentes à natureza do homem. Em sua busca constante por dominar a natureza, o homem desenvolveu uma série de mecanismos que passaram a se sobrepor ao processo intuitivo de busca por abrigo, estabelecendo a representação da arquitetura como um processo anterior à manifestação física da mesma, desenvolvendo ferramentas gráficas como método de exploração, comunicação e expressão. Entretanto, a precisão milimétrica dos desenhos técnicos gerados por modelos e ferramentas cada vez mais complexos e tecnológicos estão nos afastando cada dia mais da essência da expressão original da própria arquitetura, que assumia a forma de esboços monocromáticos e desenhos pouco detalhados.
Os mais antigos desenhos de representação de arquitetura datam de 2200 a.C.. Gudea, príncipe e regente sumério da cidade de Lagash, na região sul da Mesopotâmia, foi retratado em uma escultura onde encontra-se sentado com o projeto do templo que ele mesmo havia encomendado em seu colo. Além desta icônica escultura, uma das mais belas e raras peças de arte Suméria do Museu do Louvre de Paris, o ato de representar e/ou manter registros daquilo que se construía era raríssimo até o Renascimento. Arquitetos eram vistos como mestres artesãos, construtores responsáveis por guiar os processos técnicos e a gestão humana relacionados à construção das mais impressionantes estruturas; desta forma, a figura do arquiteto não era relacionada à arte do projeto, mas ao simples saber técnico do ofício da construção. Com efeito, a ausência de um processo de documentação prévio à construção da arquitetura fez com que a própria noção de escala fosse trazida aos desenhos apenas na Idade Média.
Foi somente na Baixa Idade Média, por volta do século XIII, que o hábito da representação passou a permear o fazer da arquitetura. Levantamentos, projetos e o próprio registro do patrimônio construído adquiriram um grau de precisão jamais visto antes. Villard de Honnecourt, conhecido mestre-de-obras daquele século, foi quem compilou pela primeira vez uma série de desenhos e detalhes arquitetônicos, uma obra que ainda hoje é conhecida como um dos primeiros e mais completos arquivos de projetos arquitetônicos da história da humanidade. A arquitetura, entretanto, ainda era vista como um ofício e não uma profissão ou arte. Carecendo de ferramentas sofisticadas e precisas de desenho, os edifícios daquela época eram construídos a partir de esboços espontâneos e desenhos monocromáticos de orientação, sem constituir uma ferramenta de representação da obra como um todo.
A incorporação da cor nos esboços dos projetistas chegou apenas no final do século XVII. Na França, em um contexto onde a arte e a arquitetura confluíram para dar forma a uma nova forma de expressão, mestres construtores passaram a utilizar a cor para distiguir as várias convenções que passaram a ser adotadas na representação daquilo que se construía. Buscando atender as demandas de Luís XIV pela construção de uma nova rede de fortalezas para a proteção da cidade de Paris, engenheiros e arquitetos se uniram para desenvolver uma nova simbologia capaz de comunicar aos milhares de operários qual material utilizar e onde plantar devidamente cada uma das árvores. Paralelamente, artistas na Bélgica estavam refinando as formas de representação, explorando novas possibilidades em suas aquarelas e telas. Foi neste momento, na confluência da arte e da arquitetura, que a representação voltada à construção de edifícios e monumentos assume um caráter mais artístico. Estas pinturas realistas passaram então a inspirar uma nova forma de conceber a arquitetura, provocando profundas mudanças na forma como os próprios arquitetos eram treinados, os quais passaram a ser vistos como artistas e não mais apenas como artesãos. A parir deste momento, a figura do arquiteto começa a pleitear um mercado para si mesmo, vendendo suas pinturas de projetos não encomendados e não construídos a compradores particulares que não entendiam as complexidades da engenharia.
A paisagem urbana e a arquitetura passaram ao primeiro plano do mundo da representação, dividindo o espaço da tela com as importantes figuras que eram retratadas pelos mais famosos artistas da época. A representação da arquitetura passou a habitar as paredes das casas da alta burguesia, dividindo seu espaço com os retratos dos mais importantes personagens da época. Um dos exemplos mais fantásticos deste momento da história da representação da arquitetura é a série de desenhos de casas de campo de James Malton, publicada em 1802. Logo na primeira imagem podemos ver uma pessoa mostrando a um cliente um desenho em planta baixa de uma casa construída do outro lado do rio, ao fundo da paisagem. Ao observarmos com mais atenção, percebemos que há um pequeno grupo de pessoas reunidas em frente à casa. O próximo desenho da série revela uma elevação frontal, vista do ponto onde o grupo de pessoas estava reunido na imagem anterior. O que Malton faz aqui é construir uma narrativa à respeito da história desta casa, ou projeto, revelando uma nova forma de representar a arquitetura, profundamente vinculada à arte.
Dando um salto até os dias de hoje, é evidente que as ferramentas de representação à nossa disposição já não são mais as mesmas. Ainda assim, é importante reconhecer que a verdadeira razão de ser da representação da arquitetura não mudou muito ao longo dos séculos. A maioria dos nossos projetos de arquitetura ainda utiliza muitas das mesmas convenções criadas há centenas de anos pelos mesmos artesãos que hoje carregam o título de arquitetos. Nós ainda projetamos com imagens – que não estão mais estampadas em telas, mas são agora publicadas em websites e revistas especializadas. Embora arquitetos não sejam mais devotos à pintura, nós ainda utilizamos imagens rebuscadas para comunicar aos nossos clientes aquilo que estamos pensando, para revelar a invisível complexidade de uma obra a um público não habituado a decifrar os códigos desta linguagem.